quinta-feira, 25 de novembro de 2010

Sonho

No precipício da vida perguntou-se se alguma coisa naquilo tudo foi real, palpável. Lembrava-se de certos casos curtos, da sua fome por insanidade e da sua quietude quando possível fosse. Feito estava, parte considerável de seu sangue quente já sujava o chão de azulejo gelado e escuro do banheiro. Percebeu sua vaidade indo embora, sujando mais ainda o chão. O sangue alcançou o tapete, mas quem se importa com essa bagunça. Seu discernimento se foi com a última baforada concretizada pelos lábios finos da mamãe. Mas a alma não saía de jeito nenhum, essa aí gostava demais dos prazeres da carne para deixá-la assim, com tanta facilidade. Sentiu-se vazio ao ponto de ouvir um vento carregado de escuridão envolvendo essa atmosfera nada comum. "Que lucidez engraçada a essa altura de meu falecimento. Ha! Morri lúcido! Há! Engraçado... Sansação estranha, vazia, leve e pesada! 'A insustentável leveza..." e disse: "Não terminei de ler!" Parecia estar morto enfim e não havia céu muito menos inferno só escuro. De repente a escuridão deu lugar a uma voz bem articulada e conhecida: "Fran? O que você não terminou de ler?" A cabeça supostamente sem vida pensou: "Uai!" Só então percebeu que seus olhos estavam fechados desde que... sabe-se lá! Levantou as palpebras. Uma claridade tranquila dessas de início de dia banhava o lugar. A poeira que acompanhava um feixe luminoso até seus sapatos, dançava como se soubesse o que isso significa. Avistou Vera sentada em sua poltrona favorita, barulhenta e de couro velho. Gemeu: "Nada! Tava sonhando."

Não pára

Aquele relógio verde de pedra opaca com números romanos, ela não fazia ideia por que ainda sustentava algo que nem funcionava mais. Talvez pela vaga esperança de o tempo parar com aqueles ponteiros. Na preguiça do dia, levantou o braço e a mistura de constatação e lembrança a assustou. Um geringonça digital numa contagem progressiva incessante. O tempo ali não iria parar.

Kid

Gosto de observar crianças. Como são pequenas e gorduchinhas.
Mas volta e meia me assusto quando sou pega em flagrante por elas que captam meu olhar admirador. Desvio os olhos constrangida.

segunda-feira, 1 de novembro de 2010

A lua na janela do vizinho refletida
me sorriu bem amarelo
me penetrou ao ponto
de estagnar meus pés no portão

O vento gelado de baixo da rua
me tremeu bem azul
me penetrou ao ponto
de colar de vez meus pés na vida.

quinta-feira, 28 de outubro de 2010

Por que se sente assim
tão apagada?
Não, menina,
faz isso não.
De apagado aqui,
só a beleza da mente,
que beleza
em nada vê.

terça-feira, 21 de setembro de 2010

Eu já disse:
não presto, não valho um real rasgado!
Gosto e faço gosto do sofrimento alheio.
Detesto e não faço questão de pessoas. Não ajudo ninguém. Mando todo mundo ir para o inferno e não me arrependo.
E o mais importante: larga do meu pé! Que coisa!
Eu já disse que eu não gosto de você. Que lamuria!

quinta-feira, 16 de setembro de 2010

Coerência

(Homens conversando na copa, hora do café. Um tenta consolar o colega cuja mãe não vai muito bem)

- É cara, essas coisas acontecem. O Francisco, o gato do meu tio, tinha diabetes e... (é interrompido)
- Francisco?
- É
- Seu tio tinha um gato chamado Francisco e ele era diabético?
- É... mas, enfim... (é interrompido)
- Mas porque coitado?
- Uai, sei lá. Ele era obeso e... (interrompido)
- O Francisco era obeso e diabético?
- Era, mas... (interrompido)
- Qual era a raça dele?
- Ah, não sei. Acho que era vira-lata
- Pode ser por isso. Sem pedigree, vai saber quais genes ele herdou da mamãe e do papai dele. Tadinho. Ele era triste?
- Triste? Não, acho que não... Bom ele achava que era cachorro, tentava latir e tudo o mais.
- Nossa!
- É, uma vez eu fui lá e pisei no rabo dele sem querer e ele ficou bravo e... (interrompido)
- Do que a gente estava falando mesmo?
- Não lembro.
- Você viaja demais nas nossas conversas.

terça-feira, 14 de setembro de 2010

Saudade danada

Zé, essa carta é pra mãe, lê pra ela.

Nasceu, minha mãe. Deu trabalho pra sair mas tá aí no mundo. É pretinha que nem noite sem poste de luz aí em Serrinha. Puxou o pai. Não sei qual nome dar ainda, vou dar um tempo. Esperar a menina ter cara de menina pra dá as graça. A moça que ajudo eu a pari disse que tem cara de Luzia, acho que não. Acho que tem cara de Lourdes, igual da vó. O Jorge conseguiu emprego na casa de uns bacana aí, vai cuidar do jardim. Vai se dá bem, ele sempre foi jeitoso. Eu sei que a senhora não gosta dessa história da gente ter saído tão rápido daí, mas o pai, mãe, não ia deixar nós em paz.
Eu sinto uma falta danada da senhora, sabe, danada. A casa aqui é pequena por demais, nem tem quintal sabe. Mas eu não reclamo não. É bem escura e quante, mas tudo bem. As coisa hão de melhorar. É isso mãe, depois eu peço pra minha vizinha me ajudar a escrever mais. Vou colocar a carta em nome do Zé pra ele ler pra senhora, não confio no pai não.
Mande novidades daí também. Um cheiro. Zizi
Aí tentei com muita força
construir um verso bom.
Demais complicado
pra uma mente assim fechada.
Vou em flor abri-la
em ativa menção
com de lata abridor.

quinta-feira, 9 de setembro de 2010

Quando eu tinha mais ou menos uns sete anos, a minha maior preocupação era ter uma casa completa da Barbie (sala, quarto, banheiro e cozinha). Dessa forma dá pra analisar e concluir como a vida era difícil pra mim. Em uma noite bem pensativa de minha parte, resolvi pedir a casa pra Deus. Pedi que viesse em uma sacola deixada ao lado da minha cama. Rezei, fiz o sinal da cruz e tudo o mais. Talvez eu confundisse Deus com o Papai Noel e pensasse que a "recompensa" por ser uma criança não muito problemática fosse um presente material e que, de preferência, aparecesse na televisão.
É claro que não encontrei sacola nenhuma. Então fui perguntar pra minha mãe se Deus existe, e ela disse que sim. Ainda não muito convencida expliquei pra ela a minha história e ela me disse que Deus cuida do nosso espírito, de quem a gente é e não do que a gente tem. Entendi o que ela disse por agora, depois de anos. Deus e seus incontáveis nomes e definições.
No dia seguinte ganhei da mamãe um cofrinho de lata dos Dalmatas e algumas moedas. A medida que juntava o dinheiro e com uma "interinha" eu comprava cada comodo da casa. Agora me pergunte onde estão, não sei.
Reprimir pensamentos, pra mim incabiveis,
só os fazem com força maior explodir
quando não podem se expor.
Meu natural extinto. Ser ser - humano,
ser auto - mentiroso, auto - alienante,
auto - destrutivo.

quarta-feira, 1 de setembro de 2010

Confusão


Imperativo. Mesmo quando queremos libertar alguém de uma frequência arbitrária usamos o imperativo. O complexo ou inexistente sentido de liberdade me confunde quando percebo o mundo que rodeia o que penso. Liberdade é criar e criar é difícil demais.

Seda

Abriu a cabeça
em janela de correr
em garrafa de vidro
em gaveta de tranca
em livro de poema
em lata de biscoito
em desenho de nuvem
em fumaça dançando

Encontrou a cabeça
no teto de gesso
no copo de suco
no armário de limpeza
no texto de biruta
no creme de leite
no céu de baixo
no rolinho de seda

quarta-feira, 23 de junho de 2010

Contra todos


É engraçado como a nossa cabeça muda de ideia tantas vezes, principalmente se permitimos que ela aja assim. A minha mudou suas ideias em relação ao hardcore, e muito. Vinha pensando que o som não me era mais agradável, que as situações propostas (principalmente as amorosas) já não se encaixavam comigo. É bem verdade que o que mudou mesmo foram os meus motivos para se escutar música.
Mas aí me vem o Dead fish (em 2009) com o "Contra todos". Se não é o melhor cd deles, está na briga. Falando de letra, porque de melodia não entendo nada, algumas músicas como "O melhor exemplo do que não seguir" e "Não" parecem narrar com perfeição o que sinto e penso tantas vezes em minhas relações singulares e plurais também. Ou "Quente" que me lembra em como gosto de morar em um lugar ainda não mergulhado no caos. Enfim, obrigado Dead fish, por acender o hc como modo de pensar em mim de novo.

sexta-feira, 18 de junho de 2010

O avesso do seu avesso


Essa falta de interesse diário que invade meu eu-lírico prosiano, que não é muito bom de prosa, me obriga a riscar o carbono grafite. O difícil é saber o que te dizer quando o que é interessante não é conhecido. Deve ser bom saber te convencer do que quero. Eu te digo que nasci do avesso e cá estou do mesmo jeito, até hoje sem saber esconder o que aqui sinto tão forte.
Preciso me esconder um pouco, então fiz uma roupa, até que ficou bonita: as meias laranjas que não te deixam perceber como meus pés são frios; os tênis brancos porque eu acho bonito; tem uma boina também branca com um laço rosa discreto para você achar que sou tranquila e serena; meus shorts vermelhos e curtos podem sim te reverter à outras intenções. Agora a camisa eu mudo sempre. Porque primeiro, camisa suja estimula glândulas mal cheirosas e segundo, ela representa o que há de mais sincero em mim. Ela abriga meu peito e meus braços, que fazem o que querem, eu ainda não consegui podá-los. Mas é bom, assim não explodo.

terça-feira, 15 de junho de 2010

Chuva


Quando chove e eu não estou em casa eu tenho a nítida impressão de que tudo está perdido. Parece que meus laços com o mundo foram cortados. Por isso adoro chuva.
Saio de mim para me encontrar comigo, na minha cabeça.
Fico pensando em como deve ser bom não racionalizar nada e deixar minha espontaniedade extintiva tomar conta do dia.

Quieto

Tá pra amanhecer e meu coração está tão gelado quanto o ar parado de início de dia. Dá pra notar o modo estranho e aperriado que se mexe dentro de mim. Mas o sol já vem.
Vem com sua quentura e seu amarelo alaranjado e meu barulhento amigo há de se aquietar.
Mas isso não parece fazer nenhuma importância. Quem não pára na verdade é a cabeça. Quase consigo ouvir melodias, não fosse a interferência de ideias alucinantes que me provocam mais e mais descargas de ideias.
Não paro de viver, nem parado e distraído.

Começo


A minha irmã, ontem a noite, veio me pedir ajuda para o nome do blog dela e de quebra me convenceu a fazer um também. Não sei a quantas anda o blog dela, nem sei que nome escolheu. Em um próximo post eu sugiro o link.
Quanto ao título do meu blog "Costas quentes", vamos dizer que as minhas andam bem frias, mas quem as esquenta anda carregado por mim aqui dentro.
Pretendo escrever sobre coisas diversas que passam por minha nuca as vezes, meus vento - pensamentos nesse tempo macio.